Por Joel Pontin - 24 de fevereiro de 2023

Desde que comecei a acompanhar diariamente o mercado financeiro, no início dos anos 2000, lembro de ter ouvido pela primeira vez a expressão “tempestade perfeita” na crise aguda dos subprime, em 2008. Dá urticária só de lembrar.

O termo foi exaustivamente utilizado na mídia para designar um conjunto de fatores aparentemente isolados, que foram se relacionando, até desencadear uma tempestade de problemas em diversos setores econômicos. Desde então este significado e dimensão parecem ter se consagrado para definir tal expressão.

Hoje a Guerra da Ucrânia acentua a fragilidade de diversas economias, e o mundo passa por vários problemas geopolíticos e climáticos. Além disso, alguns fatores domésticos têm contribuído para agravar o ambiente de negócios no Brasil.

Certamente é muito cedo cravar que estamos na iminência da formação de um cenário tão perigoso como o de 2008, mas manda a prudência a necessidade urgente de um diagnóstico bem apurado e sistêmico para conter a tempo a composição daqueles fatores aparentemente desconexos. Analiso a seguir alguns eventos domésticos.

Juros altos: estímulo a viver de renda

As taxas de juros altas estimulam que as pessoas e as empresas vivam de renda. Estimulam o rentismo, no jargão economês. E isso é péssimo para a saúde econômica do país.

Alguns preferem, por exemplo, o porto seguro do tesouro direto do que investir no seu próprio negócio. O racional é simples:  se os títulos prefixados da dívida pública giram em torno de 13% ao ano, como ocorre em fevereiro de 2023, por que correr o risco de investir no aumento da produção?

Vamos entender melhor a ideia com uma alegoria: José está propenso a fazer um investimento de R$ 50 milhões. É muito segura a remuneração de uma quantia desta ordem no tesouro direto. Afinal, no limite, é o tesouro que detém o poder de imprimir ou não mais dinheiro. Observe na tabela abaixo alguns cenários de rentabilidade.

Quem investe R$ 50 milhões no tesouro direto pode ter um rendimento médio mensal na ordem de R$ 500 mil. Por que então alguém haveria de investir em um negócio de risco superior, que demanda muito mais empenho, stress e eficiência? Parafraseando alguém: “vou viver de renda e xô, problemas”.

Em contrapartida, se as taxas de juros caírem expressivamente, a lógica muda radicalmente. Com tanto dinheiro disponível, a baixa remuneração oferecida acaba por estimular o investimento em novos negócios, em regra geradores de empregos e impostos, estimulando a atividade econômica local e, por extensão, do próprio país.

Juros altos aumentam muito a dívida pública

O Banco Central brasileiro é quem administra o Sistema Especial de Liquidação e de Custódia. Neste sistema é que são negociados os títulos da dívida pública federal. A taxa média de todas estas transações tem como referência a taxa denominada de SELIC.

Atualmente, a cada 45 dias, o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) se reúne para definir eventuais alterações. Na reunião de janeiro de 2023, por exemplo, o Copom resolveu manter a Selic em 13,75% ao ano.

Para você ter uma ideia, em dezembro de 2022, o Brasil despontava na lista de 156 países do mundo como aquele com maior taxa de juros reais (que desconta a inflação do período considerado). Este juro real estava na ordem de 8,16%.

Além do efeito rentismo já citado, tais juros tão elevados produzem outro efeito perverso: a dívida pública sobe com o aumento da Selic. Para cada aumento de um ponto percentual (1%) na taxa Selic, a dívida pública aumenta R$ 31,8 bilhões, o que inevitavelmente impõe um cuidado extremo para que não saia do controle. Por isso, muitas vezes, são inevitáveis os cortes de investimentos.

Escândalo das Americanas

Temos assistido atônitos a elucidação dos lamentáveis fatos que desencadearam no rombo das Americanas, considerado um dos maiores escândalos do mercado financeiro brasileiro envolvendo uma empresa privada.

O impacto deste escândalo tem sido precificado e provisionado nos balanços do quarto trimestre de 2022 (4T22) dos principais credores: os bancos que emprestaram dinheiro para as Americanas. Os valores provisionados por esses bancos totalizam R$ 9,6 bilhões.

O escândalo das Americanas também está atingindo fornecedores e colaboradores da empresa, além do setor de varejo como um todo. Por exemplo, diversas empresas já estão encontrando dificuldades para renegociar suas dívidas com os bancos. 

A desconfiança que o escândalo disseminou no mercado é difícil de dimensionar, sobretudo quando se consideram os fundamentos da desconfiança.

Por que os acionistas comuns acreditariam nos balanços de outras empresas se uma barbaridade dessas aconteceu com as Americanas?

Uma resposta contundente e célere por parte da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) certamente atenuará o estrago, mas dificilmente conseguirá restabelecer a confiança. Afinal, confiança não é o todo, mas sem ela nada funcionará, ou até mesmo poderá sucumbir. Comparo a confiança com o coração, que não compreende todo o corpo, mas é condicionante para sua sobrevivência.

Tempestade perfeita em formação?

Reitero o que disse: ainda é muito cedo para cravar que alguns destes e outros sinais configurem elementos suficientes para se afirmar ou até mesmo se posicionar como uma possível tendência de tempestade perfeita em formação.

Entretanto, ainda que insipientes, existem muitos elementos preocupantes, que acendem sinal amarelo de atenção. Por isso é urgente que os órgãos responsáveis tomem alguma atitude para conter confluências de eventos e o agravamento dos desdobramentos.

Complemente sua leitura assistindo ao reels relacionado.

Namo Buddhaya