Por Joel Pontin - 13 de fevereiro de 2023

O rombo das Americanas, de pelo menos R$ 20 bilhões, deixa várias perguntas à espera de resposta. Pelo menos por enquanto. Isso porque a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) abriu várias linhas de investigação para elucidar o caso. A CVM é uma autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda que atua como uma espécie de xerife do mercado financeiro. Uma de suas missões é proteger o interesse dos investidores. Será que a CVM conseguirá elucidar essas questões sem resposta? Confira quais são essas perguntas:

Aprovação de balanços por 7 (?) anos?

Como diversos balanços trimestrais e anuais das Americanas foram aprovados durante sete anos, de acordo com as estimativas, sem ninguém descobrir o rombo que originou o escândalo? É importante ressaltar que o balanço anualizado de 2021 foi aprovado sem nenhuma ressalva por uma renomada empresa de auditoria, a PricewaterhouseCoopers (PwC).

Ressalta-se que a PwC faz parte de um grupo conhecido como Big Four, composto pelas quatro maiores empresas de auditoria do mundo.

Empresa de auditoria é responsável pelo rombo?

A PwC, renomada empresa de auditoria, tem responsabilidade jurídica no caso do rombo das Americanas? Se sim, qual? Quais possíveis penas a empresa pode sofrer por causa do que tem sido chamado de “barbeiragem” contábil?

Como uma das consequências da “inconsistência contábil” que gerou o rombo das Americanas, destaca-se o alastrar da desconfiança generalizada sobre outros balanços, especialmente das empresas de capital aberto, que têm ações negociadas na Bolsa de Valores.

Análise gráfica do setor: insider trading?

Sobrepondo gráficos normalizados das Americanas e duas outras gigantes do setor de varejo, emergem pelo menos três questões objetivas.

Durante o ano de 2022, é possível identificar um certo padrão comportamental do setor, com tendência bem definida de queda.  Porém as ações das Americanas foram as que tiveram a maior desvalorização no período analisado.

Logo das Americanas, empresa envolvida em um rombo de pelo menos R$ 20bilhões.

Em 21 de outubro de 2022, cada ação dela chegou a ser negociada a R$ 21,90. De outubro de 2022 ao início de janeiro de 2023, as Americanas perderam aproximadamente 50% do valor de mercado. Se comparamos com o valor de janeiro, a perda supera os 90% de valor de mercado. Um olhar mais atento do gráfico específico das Americanas durante o ano de 2022 permite identificar três períodos bem definidos.

De março a junho de 2022: tendência de queda, passando de faixa de R$ 30 por ação para R$ 19, uma desvalorização de cerca de 35%.

De junho a outubro de 2022: não há uma tendência definida, nem de alta nem de baixa, mas, sim, o que chamamos de “lateralização”. Tal situação é normalmente identificada como uma preparação para uma forte tendência, ou de alta ou de baixa.

De outubro de 2022 ao início de janeiro de 2023: forte tendência de queda, passando da faixa de R$ 19 por ação para R$ 9, com perda aproximada de 50% do valor de mercado.

Quem, durante este período, vendeu sistematicamente? Estas vendas foram a descoberto? Tais vendedores têm ou tiveram alguma relação direta ou indireta com a empresa?  Será que temos aí um caso de insider trading, ou seja, de informação privilegiada?

Acionistas de referência: culpados ou  incompetentes?

Os bilionários Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira são os acionistas de referência das Americanas. Eles publicaram a seguinte nota sobre o escândalo: “assim como todos os demais acionistas, credores, clientes e empregados da companhia, acreditávamos firmemente que tudo estava absolutamente correto”.

Ocorre que eles não são acionistas quaisquer, tampouco fornecedores. Eles têm forte influência no conselho administrativo das Americanas.

Chama muito atenção que o trio sempre tenha se arvorado como excelentes gestores. Assim, ainda que eventualmente de fato venha a se comprovar total inocência do trio, seus nomes passarão para a história como aqueles bilionários probos e competentes, que não sabiam de nada que acontecia debaixo das suas barbas durante anos a fio?

Desmoralização do Novo Mercado?

Causa muita estranheza que o rombo das Americanas tenha ocorrido com uma empresa do Novo Mercado, que tem diversas normas de transparência, entre elas, a composição do próprio conselho administrativo. Uma coisa é fato: ou se pune rigorosamente todos os responsáveis ou será a desmoralização total do Novo Mercado. Será que a empresa burlou as normas do NM?

Como ficam as ADRs das Americanas?

Embora sejam pouco negociadas, com baixa liquidez, as Americanas também têm ADRs na bolsa norte-americana. Quais serão as consequências nos Estados Unidos?  Outra frente de batalha jurídica deverá se abrir na justiça norte-americana. Qual será o desfecho?

Quem pagará a conta do rombo das Americanas?

Decorrido mais um mês desde que o rombo das Americanas veio à tona, é possível identificar alguns sinais evidentes que aparentemente compõem um quadro típico da chamada tempestade perfeita.

O calote de R$ 20 bilhões das Americanas atinge bancos, fornecedores e funcionários da empresa. Só com bancos, estima-se um calote de R$ 7,2 bilhões. Como os bancos vão reagir? Será que outras empresas devedoras conseguirão rolar suas dívidas com os bancos daqui para a frente? Ou eles criarão regras de empréstimos mais duras para evitar perdas desse porte?

Fornecedores compõem outro gigante espectro de atores que serão atingidos por esta “inconsistência contábil”. Estamos falando de pequenos, médios e grandes empresas, que fornecem de batata frita a aparelhos de TV. Quantos vão conseguir suportar o impacto desta quebra de contrato?

Por fim, os empregados. Estima-se que a empresa tenha um quadro de aproximadamente 44 mil funcionários. É bem provável, para não cravar inevitável, que a empresa demita muitos deles.

Por fim, a pergunta derradeira: quem pagará esta conta? Sim, porque ela vai chegar e alguém terá que pagá-la. Quem será?

Complemente sua leitura assistindo ao reels relacionado.

Paz e bem