Por Joel Pontin - 31 de março de 2023

De manhã tenho quatro pernas, ao meio-dia, duas e, quando chega o crepúsculo, tenho três. Dentre todas as criaturas é a única a mudar o número de pernas, mas quanto maior o número de pernas menor sua rapidez e força.

Sabe responder este enigma? Não? Então você seria devorado pela Esfinge de Tebas, que condicionava a passagem somente àqueles que respondiam corretamente a charada. Dizia: “decifra-me ou te devoro”.

Uma Esfinge chamada mercado    

O mercado também tem seus enigmas, mistérios, segredos e armadilhas; muitas armadilhas. É preciso estar sempre atento para identificá-las e assim evitar sérios problemas. Mas, acima de tudo, o mercado é regido por uma lógica muito bem definida e, tal qual a Esfinge de Tebas, decifrá-la, por vezes, é uma questão de sobrevivência.

Robin Hood: vilão ou herói?

Vamos nos ancorar inicialmente na legendária história de Robin Hood, herói inglês conhecido por planejar e executar roubos da nobreza. As armas utilizadas nestes roubos eram  arcos e flechas. Além disso, ele tinha um conhecimento minucioso dos meandros da floresta onde se refugiava.  

Todas as suas apropriações tinham uma finalidade bem determinada: saciar necessidades fundamentais dos pobres, como a de matar a fome.

Importante precisar que existem dois tipos de ricos: o rico que tem muito dinheiro no banco e o rico que controla os meios de produção.

Os ricos que controlam os meios de produção são denominados por Marx como burgueses. Guardadas as devidas diferenças conceituais, os nobres da época de Robin Hood controlavam os meios de produção no sistema feudal, em particular da produção agrícola, objeto de grande interesse de Robin Hood.

Imaginemos que Robin Hood tenha se apossado de 100 sacas de trigo de um destes nobres e distribuído aos pobres. Por um bom tempo, esses pobres não precisarão comprar trigo.

No ano seguinte, o mesmo nobre que produzia trigo e outros gêneros alimentícios cuidou para que não fosse roubado.

A Esfinge de Tebas então lhe perguntará em tom ameaçador: “Decifra-me ou te devoro”. O nobre vai esquecer aquele prejuízo (custo?), vai absorvê-lo ou vai tentar repassá-lo no preço do trigo da nova safra? Outra possível escolha seja reduzir custos de produção.

A resposta aparentemente óbvia é a base sólida de sustentação do sistema capitalista e, por extensão, do próprio mercado financeiro. Talvez mais do que meramente uma base, possamos dizer que é da natureza do sistema: não absorver prejuízos. Gostemos ou não, esta é a chave mestra que decifra a lógica do capitalismo.

Educação, luz que expõe a lógica

O discurso recorrente de que a educação deve ser prioridade precisa ser ancorado para além, muito além daquele frágil e, de certa forma, hipócrita argumento da remuneração, do ser bem-sucedido e coisas afins.

Dito de outra forma, a educação de qualidade nas diversas dimensões em que ela se efetiva é a fonte de luz mais poderosa para escancarar e talvez até mesmo alterar esta lógica perversa que se perpetua e que tem logrado êxito, gerando abismos sociais e subalternização.

Observe que a lógica reversa nesta assertiva torna autoexplicativa a educação de má qualidade ser a regra.

O MST na bolsa?

O MST (Movimento dos Sem-Terra), que surgiu no final da década de 1970 e início dos anos 1980, por muito tempo teve como estratégia ocupações de terras improdutivas, muitas vezes com sérias implicações, incluindo enfrentamentos violentos. Um dos episódios mais marcantes se deu em Eldorado dos Carajás, em 17 de abril de 1996, quando policiais armados com metralhadoras e fuzis dispararam contra o agrupamento dos sem-terra. Este confronto resultou em 19 mortos e dezenas de feridos.

De lá para cá o MST vem crescendo, se organizando e se estruturando. Atualmente são 160 cooperativas, 120 agroindústria, 1.900 associações e 450.000 famílias assentadas.

Quem se der ao trabalho de se atualizar sobre este movimento constatará notáveis transformações que impressionam até os mais céticos conservadores. Seu espectro de ações, causas e oportunidades foram ampliados significativamente.

Por exemplo, em setembro de 2021, sete cooperativas fizeram uma captação de recursos por meio da emissão de CRAs, Certificados de Recebíveis Agrícolas. Dito de outra forma, o MST emitiu títulos de renda fixa, que foram comprados por investidores. Com o dinheiro arrecadado, o movimento financiou melhorias nas cooperativas, ao mesmo tempo que contraiu um compromisso com os investidores.

A matéria: Do campo à B3: tudo o que você precisa saber sobre o título do MST na bolsa descreve em detalhes a incursão deste movimento na bolsa.

É curioso observar no prospecto que as taxas de remuneração dos CRAs emitidos eram semelhantes às pagas por outros players mais tradicionais e renomados do mercado. Desde seu lançamento até hoje, os gestores têm conquistado a confiança de muitos investidores que, muito provavelmente, irão comparecer a novos CRAs eventualmente emitidos pelo MST.

Destaco também o fato de que os recursos arrecadados através destes CRAs têm destino muito bem definido, que em regra visam melhorar expressivamente as performances das cooperativas, como é o caso da COOPEROESTE:

Cooperativa Regional de Comercialização do Extremo Oeste (COOPEROESTE), localizada no Estado de Santa Catarina, composta por 14 assentamentos e 550 famílias. Atualmente a cooperativa tem 1485 produtores de leite. É detentora da marca Amanhecer e possui cessão de uso da marca Terra Viva. Ela espera levantar R$ 3,5 milhões, que serão destinados na aquisição de uma queijaria, e na compra de equipamentos e máquinas para melhorar as estruturas de estocagem e logística dos produtos acabados.

Não é só nesta frente que o MST tem chamado a atenção, mas também na agroecologia e agroindústria, incluindo marcas próprias como Terra Livre. Tem também assumido posição de destaque na agricultura orgânica.

Lógica e estratégia

É intrigante constatar que mudam os atores do enredo, mas a lógica, não. Mudam os controladores da produção, que na modernidade são bem mais sofisticados, tecnológicos, articulados e requintados do que aqueles da era do Robin Hood.

No filme “A Qualquer Preço” (1998), entendemos com precisão cirúrgica o grau desta sofisticação e requinte. O advogado Jan Schlichtmann (John Travolta) representa uma comunidade que sofre com as consequências de contaminações. Uma causa com proposta de acordo milionário por parte da ré, uma gigante do mercado, tem uma reviravolta com a contratação do experiente advogado Jerome Facher (Robert Duvall), com ótima formação, que conhece muito bem a lógica, os meandros do sistema jurídico.        

Decifrar a lógica do sistema não é garantia de sucesso ou de reversão de uma situação, mas se afigura a melhor estratégia de solução de problemas. Algo parecido com o que fez Mahatma Gandhi nos idos dos anos 1930 na Índia, que até então era uma colônia inglesa. A famosa Marcha do Sal capitaneada por Gandhi é um marco político e estratégico que resultou na emancipação da Índia.

Resposta do enigma

Você só não seria trucidado pela Esfinge de Tebas se respondesse que o animal em questão é o próprio homem, o animal que de manhã tem quatro pernas: engatinha quando ainda é uma criança. À tarde, quando já crescido, caminha com suas duas pernas. Finalmente, à noite, quando já está velho, recorre à bengala, sua terceira perna para andar.

Qualquer semelhança entre a Esfinge e o mercado financeiro é mera coincidência, ou não.

Ah! Sabe quem foi o único a responder corretamente este mistério e que, portanto, não foi devorado pela esfinge? Não?

Foi Édipo. Por ter decifrado o enigma e salvar Tebas se casou com Jocasta…e a história continua…

Namo Buddhaya