
O escândalo das Americanas e a Bolsa de Valores
O escândalo das Americanas (AMER3) veio à tona em janeiro de 2023 deixando estarrecida a enorme maioria das pessoas que acompanham o mercado financeiro, em especial a Bolsa de Valores. O escândalo também deixou em pânico a maioria dos acionistas da empresa.
Os executivos Sergio Rial, presidente e diretor de relações com investidores, e André Covre, diretor financeiro, deixaram seus cargos apenas dez dias após terem assumido as funções na empresa. Comunicaram que tinha identificado um rombo de R$ 20 bilhões.
Dentre as diversas nuances deste caso, pelo menos duas precisam ser entendidas, explicadas e julgadas. Confira:
O tamanho da queda das Americanas
A Americanas é uma das maiores varejistas do mercado brasileiro, e seu valor de mercado antes do escândalo era de R$ 20,7 bilhões. Cada uma de suas ações era negociada na faixa de R$ 11,90 em 11 de janeiro de 2023. No dia seguinte, 12 de janeiro, seu valor despencou para R$ 2,66, uma queda de 78%. Em 20 de janeiro, bateu R$ 0,75, amargando uma perda de 93,7% do valor de mercado neste período.
O gráfico abaixo ilustra o tombo. Atente para o fato de que, desde meados de outubro de 2022, a empresa vem perdendo valor de mercado de maneira bem acentuada. A pá de cal veio em 11 de janeiro 2023.

Fonte: advfn.com.
“Inconsistência contábil” explica o escândalo das Americanas?
O balanço financeiro da Americanas, publicado trimestralmente, vinha com uma grande “inconsistência contábil”. Mas, afinal de contas, que raios de “inconsistências contábeis” são capazes de provocar uma tragédia tão grande no capital social de uma empresa como a Americanas?
Chocolates, liquidificadores, televisões e uma infinidade de produtos são diariamente comercializados nas lojas físicas e pela plataforma virtual da empresa. Para fazer frente a este vasto portifólio, a Americanas tinha muitos fornecedores, com os quais negociava valores, prazos e outros itens.
Depois que o negócio era fechado com o fornecedor, o produto era entregue e faturado. Se não fosse pago diretamente ao fornecedor, a loja deveria lançar em seu balanço a dívida, especificando que se tratava de uma DÍVIDA COM FORNECEDOR. O status das dívidas é atualizado regularmente e publicado trimestralmente.
Ocorre que, por vezes, a empresa, por uma série de razões ou motivações, pode se utilizar de um expediente chamado “risco sacado”. Isso significa que ela obtém linhas de crédito de bancos para honrar seus compromissos com os fornecedores. Até aqui, tudo certo.
Ao quitar a dívida junto ao fornecedor utilizando esta linha de crédito, a empresa passa a ter uma dívida junto ao banco, e não mais com o fornecedor. Portanto, o status da dívida, incluindo as condições (juros, prazos etc), deve ser atualizado e constar no balanço trimestral como DÍVIDAS COM INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS.
Aparentemente, o problema associado à “inconsistência contábil” decorre do fato de que, por mais de sete anos, incluindo 2022, as dívidas da Americanas junto ao sistema financeiro eram lançadas como dívida simples com fornecedores.
Considerando que o presidente Sergio Rial e o diretor financeiro André Covre precisaram de menos de dez dias para detectar e publicizar o gigantesco rombo, trazendo prejuízos a muitos investidores e abalando a credibilidade no mercado, há de se ponderar: “inconsistências contábeis” é um eufemismo, não?
Americanas: uma empresa do Novo Mercado?
De antemão, é muito difícil entender, aceitar ou naturalizar o caso das Americanas, ainda mais porque se trata de uma empresa listada no Novo Mercado da Bolsa de Valores e, por isso, sujeita a normas e regulamentações específicas e rigorosas.
Empresas listadas no Novo Mercado têm uma espécie de selo de transparência, que teoricamente deveria trazer tranquilidade para o investidor. Tanto é que, simbolicamente, essas empresas não têm ações preferenciais (PN), apenas ordinárias (ON), sinalizando que todos os acionistas são efetivamente cúmplices em maior ou menor importância na gestão da empresa. Lembro bem quando surgiu a primeira lista das empresas do Novo Mercado em 2002 e até mesmo das atualizações das normas em 2006, 2011 e 2018.
Algumas normas que caracterizam as empresas do Novo Mercado são as seguintes: criação de um departamento específico de compliance e auditoria; existência de membros independentes no conselho administrativo; transparência pública de informações como contratos, salários e políticas internas; divulgações de resultados e fatos relevantes em inglês e português.
Se a Americanas faz parte do Novo Mercado, sujeita a tantas regras, como podem ter demorado tanto tempo para descobrir tais “inconsistências contábeis” já que seus balanços eram validados por uma renomada empresa de auditoria? Por que em tão pouco tempo os dois executivos recém-contratados rapidamente descobriram o problema e, como manda o protocolo, tornaram pública a informação? Ao que tudo indica, é preciso uma nova atualização que tornem os mecanismos de controle e transparência do Novo Mercado mais eficientes.
Vamos acompanhar os desfechos das várias linhas de investigação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a xerife do mercado, a quem compete disciplinar, fiscalizar e desenvolver o mercado de valores mobiliários no Brasil(Lei nº 6.385).
Paz e bem!

