Por Joel Pontin - 4 de janeiro de 2024

Você sabe por que as pequenas e médias propriedades brasileiras têm conseguido uma colheita mais produtiva? Por causa da consorciação de culturas. Isso significa que alguns agricultores cultivam simultaneamente diferentes espécies na mesma área. Em geral, tal prática otimiza o uso do espaço, gerando algumas sinergias que resultam em maior eficiência, segurança, lucratividade e valor agregado.

Entre os diversos exemplos já muito bem estudados, que têm garantido uma colheita mais produtiva, está a consorciação de milho e feijão. Em geral, o feijão é plantado entre as fileiras do milho. O feijão, em simbiose com um determinado tipo de bactéria (rizóbio), sequestra o nitrogênio (N2) presente no ar (78% do ar é de N2), formando NH3. E o nitrogênio é um macronutriente essencial para quase todas as plantas A equação química que representa esta transformação é a seguinte:

O conceito de consorciação pode ser estendido para atividades que resultem em cooperação com o ciclo de uma cultura, gerando uma colheita mais produtiva. É o caso que apresento aqui: horta e criação de peixes.

Consorciação de peixe e horta: colheita mais produtiva

Resolvi experimentar a consorciação da psicultura com uma horta para ver se conseguiria ter uma colheita mais produtiva. A primeira questão seria definir o peixe a ser criado. Optei pelas tilápias por causa de algumas de suas características, como a facilidade em adquiri-las em pesqueiros e sua incrível resiliência às variações significativas e bruscas de temperatura, acidez e oxigenação.

A capacidade de adaptação da tilápia é tão grande que, apesar de ser um peixe típico de água doce, ela já tem sido encontrada em ambientes de água salgada, como você pode conferir nesta matéria de Paulo Augusto no site G1 e no vídeo do canal Brasil Jumbo, sobre criação de peixes.

Vale destacar que minha experiência se distingue muito da técnica conhecida como aquoponia, na qual as hortaliças se desenvolvem em um ambiente aquático com peixes. Neste caso, a verdura não se desenvolve em contato com o solo, como detalhado no vídeo do canal do Vale Agrícola.

Resolvi desenvolver a cultura no próprio solo e usar a água do tanque para irrigá-lo porque acredito ser mais simples e versátil o sistema combinado e independente. Além disso, o sistema pode também proporcionar uma colheita mais produtiva de várias outras espécies, como laranjas e limões.

Fundamentos para a consorciação entre peixes e horta

Em uma caixa-d´água, transformada em tanque com capacidade de 250 litros, mantenho três tilápias de porte médio, com massa em torno de 700 gramas, ao lado de um canteiro de berinjelas. Uma pequena bomba, destas de máquina de lavar roupas, foi conectada a um timer, programado para oxigenar a água de tempos em tempos. Uma boia garante que o nível de água se mantenha estabilizado. Assim, à medida em que retiro água da caixa, a boia garante a reposição da água.

A diversidade de alimentos adicionados à caixa para servir de alimento para a tilápia inclui ração para peixes, algumas sobras de refeições e frutas (amora, banana, uva, lichia, tomate, entre outras). Também são adicionadas, eventualmente, algumas cascas de ovos trituradas.

A mineralização, que consiste em transformar matéria orgânica em inorgânica, é geralmente realizada por microrganismos aeróbicos e também anaeróbicos, na ausência de oxigênio.

Maior a área superficial, maior a velocidade de transformação

O processamento dos alimentos pelo peixe acelera o processo de mineralização. Nos alimentos, a matéria orgânica está presente em estruturas bem complexas. Um exemplo é a banana. A área superficial da fruta é aquela que está em contato direto com o ar, a sua superfície. Se picarmos a mesma banana e espalhar seus pedaços sobre uma mesa, a fruta vai ocupar uma área superficial muito maior. O mesmo acontece com o peixe após digerir o alimento e defecar na forma de resíduo.

A Química nos ensina que, quanto maior a área superficial, maior o contato entre os reagentes, maior será a velocidade de uma transformação. Isto ajuda a entender, por exemplo, porque quando queremos secar uma roupa molhada, nós a estendemos.

Sabemos que o potássio é um macronutriente importantíssimo para o desenvolvimento das plantas. Sabemos que a banana é muito rica em potássio. Quando alimentamos as tilápias com banana, boa parte do potássio que estava na fruta estará nas fezes do peixe que se dispersam na água, enriquecendo a solução com este importante nutriente.

Em tese, este processo de mineralização deve ser bem mais rápido se comparado com o da compostagem tradicional, na qual a matéria orgânica putrescível lentamente vai se decompondo e liberando seus nutrientes.

Experiência de cultivo da berinjela consorciado com tilápias

Plantei berinjela em três canteiros. Como é comum neste tipo de experiência, um canteiro é o foco da experiência e os outros são referências históricas, chamados de “canteiros controle”.

No meu experimento artesanal, fiz um pequeno canteiro utilizando terra de compostagem produzida a partir de matéria orgânica putrescível. E a rega do canteiro foi feita com a água do tanque onde ficam os peixes.

No primeiro canteiro de controle, usei a mesma terra da composteira do canteiro experimental. Porém, a rega foi feita com água da torneira.

No segundo canteiro de controle, utilizei a terra do solo que não passou pela compostagem e reguei a horta com a mesma água da torneira.

Colheita mais produtiva na berinjela regada com água do tanque

Os resultados são muito animadores. No canteiro regado com a água do tanque das tilápias, tive uma colheita mais produtiva que nos demais canteiros, aliás, muito mais produtiva.  Partindo de pequenas mudas, no canteiro experimento, diversos e frondosos frutos de berinjela apareceram em pouco mais de 60 dias. Enquanto isso, os dois canteiros de controle ainda estavam no estágio de floração, com alguns poucos e pequenos frutos.

Os resultados, ainda que artesanais, ensejam no mínimo a curiosidade de investigar a fundo como tal consorciação pode contribuir tanto para uma colheita mais produtiva nas hortas como também na melhoria na produção de tilápias.

Muito mais do que isto, que por si não é pouca coisa, este simples experimento, se realizado no ambiente escolar, na perspectiva de fomentar a educação financeira nas escolas, se afigura como um ótimo subsunçor de diversos conteúdos, especialmente na área das ciências da natureza.

Horta educacional: subsunçor de diversos conteúdos

Tenho defendido a tese de que a educação financeira esteja presente no ambiente escolar como uma subsunçora no processo de ensino/aprendizagem. Conectando-se aos diversos saberes da grade curricular, a educação financeira costuma atribuir significados a estes saberes e despertar maior interesse no processo ensino/aprendizagem. Estes fundamentos estão presentes na teoria da Aprendizagem Significativa, de David Ausubel.

Já tive no passado, antes dos experimentos com as tilápias, uma ótima experiência de uma horta educacional na Escola Estadual Bruno Florenzano, em Bragança Paulista. Na época, desenvolvemos a horta com recursos obtidos através de um crowdfunding, popularmente conhecido como vaquinha solidária.

Os resultados foram muito animadores, pois diversos atores da escola estabeleceram relações entre os conteúdos estudados em sala de aula com a produção de hortaliças, morangos e clássicos temperos, como manjericão e salsinha. Uma boa forma de entender como a horta educacional pode conectar tantos saberes é dando uma espiada neste mapa conceitual sobre o tema.

Em tempo: sem geração de renda, não há que se falar em educação financeira.

Gassho!