Por Joel Pontin - 13 de junho de 2023

Provavelmente a maioria dos mortais entende que uma crise econômica mundial grave atinge a todos indistintamente; que alguns sofrem mais, outros menos, mas que todos sofrem.

Se você está no rol destas pessoas, creia: você está enganado. Muitos podem, sim, ganhar muito dinheiro com crises econômicas. Vou além: quanto pior a crise, mais algumas pessoas ganharão. Fique bem entendido: estamos agora falando especificamente de dinheiro.

Sim, muitos podem ganhar muito com uma crise sistêmica como a de 2008 ou mesmo uma crise de um determinado setor, como a telefonia ou o varejo. Aliás, podemos dizer sem nenhum eufemismo que muitos adoram crises, pois têm nela uma boa oportunidade de negociar (operar) a descoberto, vendidos, na bolsa de valores.

Trata-se de um tipo de operação rigorosamente legal juridicamente e muito comum nos mercados financeiros do mundo inteiro, com algumas diferenças entre mercados.

O argumento que, em tese, justifica tais operações é que elas são importantes e estratégicas para o bom funcionamento dos mercados em geral, pois aumentam a liquidez, a facilidade de compra e venda. Também evitam a formação das chamadas bolhas, situação em que o valor negociado não tem fundamento.

Decifra-me ou te devoro

Já enfatizei em post e reel anteriores a importância de se decifrar a lógica do mercado, sob pena de ser uma vítima fatal dele, à semelhança da Esfinge de Tebas, que condicionava a existência somente daqueles que decifravam o enigma.

A lógica é relativamente simples: por diferentes razões e interesses (atenção: interesses!), alguém que acredita na deterioração de um ativo, por exemplo, a Petrobrás, poderá alugar suas ações para vendê-las. Lembremos sempre que tais ações alugadas não pertencem ao tomador, a quem as alugou. Lembremos ainda que, ao final do contrato, essas ações precisam ser devolvidas, acrescidas dos juros previamente acordados entre as partes.

Aí você se pergunta: “como assim, alugar uma ação”?

Muitos investidores compram ações pensando no longo prazo, são considerados investidores do tipo “buy and hold”. Eles costumam disponibilizar suas ações para serem alugadas. Assim, além de ganhar os proventos que a empresa venha a distribuir (dividendos, por exemplo), poderão também ganhar com o aluguel de suas ações. Quem disponibiliza suas ações para aluguel é chamado de doador; quem aluga as ações é o tomador.

Digamos que um tomador, que pode ser uma pessoa jurídica ou física, tenha alugado 1 milhão de ações da PETR4 (ações preferenciais da Petrobrás). Ele acredita que essas ações estão sobrevalorizadas. Acredita e aposta que essas ações deverão cair.

Aos poucos, essa pessoa vende todas essas ações, digamos, com um preço médio de R$ 25. Concluída a venda, deverá embolsar aproximadamente de R$ 25 milhões. O valor exato não é este porque tem que descontar alguns custos, como emolumentos.

Consideremos que, passados alguns meses, a ação tenha de fato caído, e sua cotação tenha passado a R$ 15. Esse investidor resolve então recomprá-las, porque terá que devolvê-las; lembre-se ele vendeu as ações que ele tinha alugado. Admitindo que tenha recomprado todas as mesmas 1 milhão de ações ao preço médio de R$ 15 cada uma, terá que desembolsar R$ 15 milhões, mais os encargos.

Em números redondos, a entrada com as vendas foi de R$ 25 milhões. Com a recompra das ações, o investidor gastou, em números redondos, R$ 15 milhões.  O lucro bruto foi de R$ 10 milhões. Descontados todos os encargos, o custo do aluguel e o Imposto de Renda, que nesse caso é de 15% sobre o valor líquido, o lucro do investidor ficaria um pouco abaixo de R$ 8,5 milhões.

Atente para um detalhe importantíssimo: a pessoa, física ou jurídica, que executou esta operação não desembolsou um único centavo do bolso.

Observe atentamente que, se a recompra for realizada a um preço médio de R$ 10, seu lucro será maior e assim sucessivamente, o que explica aquela máxima: quanto pior, melhor.   

Por outro lado, o risco dessas operações é uma eventual alta das ações, em vez de queda. Nesse caso, o tomador terá que recomprá-las a um preço superior ao vendido e arcar com os prejuízos. Quando for às compras, aumentará a força compradora, estimulando ainda mais a tendência já definida de alta.

Nesta operação malsucedida, o tomador teve um prejuízo de cerca de R$ 10 milhões.

Os números aqui utilizados como exemplos não são exagerados. Algumas operações a descoberto envolvem cifras muito superiores.

Resumo da ópera: alguém que esteja posicionado a descoberto lucra tanto mais quanto maior for a queda do ativo. E terá prejuízo se o ativo começar a subir acima do preço médio de venda.          

US$ 3 bilhões em 1 dia

A crise de 2008, que ficou conhecida como a crise do subprime, me fez refletir muito sobre a importância e as possíveis implicações deste tipo de operação. Mas a gota-d’água, que solidificou minha convicção sobre a necessidade urgente de restringi-las a situações bem específicas, veio com a leitura do livro: A Psicologia Financeira, de Morgan Housel[i].

Conta ele que, no auge da crise de 1929, quando as estruturas econômicas do mundo estavam fortemente ameaçadas, Jesse Livermore, um grande operador de mercado, abriu grande posição a descoberto.

Os noticiários alarmantes ajudaram a disseminar o pânico generalizado com diversos casos de suicídios, muitos dos quais de operadores do mercado. Sua família ficou em pânico com a possibilidade de que ele também pudesse ter se suicidado.

Ao chegar em casa, Jesse Livermore tratou logo de tranquilizar todos: “em um golpe de genialidade e de sorte, ele havia feito uma série de vendas a descoberto“, apostando, portanto, na queda das ações.

-Quer dizer que não estamos falidos? Disparou Dorothy, a esposa.

-Não querida, este foi o meu melhor dia de transações de todos os tempos”.

Em um único dia ele embolsou o equivalente a US$ 3 bilhões.

Alguns anos depois, quando a crise já dava sinais nítidos de que o pior já tinha passado, Jesse Livermore cometeu suicídio. Este e dezenas de outros casos muito interessantes são descritos e analisados neste livro.

O demônio mora nos detalhes

Um polêmico provérbio, ao que tudo indica extraído do obituário do arquiteto alemão Ludwig Mies van der Rohe, preconiza que “O demônio mora nos detalhes”. Há quem diga tratar-se de uma corruptela de outro bem mais antigo que afirma que “Deus mora nos detalhes”.

Ambas as perspectivas podem ser consideradas para analisar tais operações. De um lado, elas conferem ao mercado mais liquidez e auxiliam a tornar os preços negociados mais representativos de um valor intrínseco do ativo. Isto é inquestionável.

Por outro lado, atente para o fato de que se trata de uma poderosíssima ferramenta que, aliada à amplificação de alguns sinais corriqueiros do mercado, pode ser utilizada para tornar o ambiente de negócios ainda muito pior e em alguns casos agravar sobremaneira a situação de determinadas empresas que eventualmente estejam passando por algumas dificuldades.

No limite, pode até mesmo agravar ainda mais determinadas crises, como a de 2008. Em tempos de fake news isto ganha grandes proporções. Não por acaso, nesta crise, estas operações foram restritas a determinadas situações em alguns países.

Não basta ser verdadeira, tem que ser imparcial

Uma das lições que tirei desta vivência de mais de 20 anos acompanhando o mercado financeiro, mais especificamente da bolsa, é a necessidade de me perguntar sempre: será que a análise, a recomendação, os noticiários negativos recorrentes em determinadas épocas são isentos de posição a descoberto?

No exemplo citado acima, “Operação a descoberto bem-sucedida”, a base de cálculo levou em consideração a recompra a R$ 15, provendo um lucro líquido de aproximadamente de R$ 8,5 milhões. O lucro líquido subiria para cerca de R$ 12,7 milhões se as ações fossem recompradas a um preço médio de R$ 10.

Toda notícia ruim tende a favorecer a queda. Um exemplo marcante e recente é o caso do escândalo das Americanas. Há que se lembrar sempre que a crítica, ou mesmo a publicização de boatos ruins ou bons envolvendo determinado ativo, tem impacto direto em suas cotações.

Será que os divulgadores dessas notícias estão posicionados no ativo? Se estiverem posicionado na compra, seu desejo é que a ação suba, que se valorize. Por conseguinte, a tendência é de não difamá-la. Ao contrário, nada que seja prejudicial lhe convém.

Por outro lado, se estiverem posicionados na venda (descoberto) querem que caia. Notícias ruins tendem a favorecer os ganhos.

Assim, diante de uma análise midiática acerca desse ou daquele evento, daquele ou de outro desastre, ou mesmo de denúncias, há que se perguntar se quem está falando, editor, empresa ou um analista especializado (o que não falta), está ou não posicionado no ativo em questão.

Filmes e séries imperdíveis sobre o tema

Se você ficou interessado no tema, recomendo que assista pelo menos:

Betting on Zero: um documentário eletrizante, baseado em fatos verídicos envolvendo a empresa Herbalife, em que um analista, após análise profunda da empresa, resolve montar uma forte posição a descoberto. Confira lá o final da história.

Rainhas da Bolsa: a série disponível na Netflix, baseada em fatos verídicos, conta a história de duas operadoras de mesa que trabalham na bolsa do Kuwait e que têm que passar por diversas situações constrangedoras e desafiadoras.

O Lobo de Wall Street: Leonardo DiCaprio encarna o personagem de um espertalhão e fanfarão que parece ter descoberto uma espécie de máquina de fazer dinheiro trabalhando com ações de baixíssimo valor nominal. Este filme também foi baseado em fatos verídicos.

Wall Street: neste filme, fica muito evidente o poder de manipulação do mercado por meio do insider trading. Trata-se de informações privilegiadas que orientam tomadas de decisões e posicionamento prévio em determinados ativos, o que é expressamente proibido em todos os mercados financeiros do mundo.

A grande aposta: ambientado no contexto da grave crise dos subprimes de 2008, retrata os fundamentos da decisão de um gestor de apostar forte na quebra do sistema imobiliário estadunidense. Contra todas as evidências e avaliações de risco das principais agências. ele monta uma forte posição a descoberto.

Namaste!


[i] Housel, Morgan. A Psicologia Financeira: lições atemporais sobre a fortuna, ganância e felicidade. Rio de Janeiro: Harper Collins, 2021, 301 p.